terça-feira, 6 de julho de 2010

Força Normativa do Preâmbulo

Em virtude da essência formal do ato jurídico (art. 104, III, do Código Civil), e da tradição cultural do Direito brasileiro, originado desde a época colonial, na vigência das ordenações portuguesas, excessivamente rituais, o que contribuiu, sobremaneira, para que durante muito tempo, quando o princípio da oralidade era o ordinariamente previsto (art. 13, § 3º, da Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais), a prática do foro continuasse a formalmente tudo escrever, antes do advento do processo virtual ou eletrônico, inaugurada no sistema pátrio pela Lei nº 11.419/2006, o sistema jurídico nacional continua excessivamente permeado por formalismos exagerados.


Todavia, a razão de tanta formalidade é, antes de tudo, a persecução do objetivo inafastável de conferir segurança jurídica ao Direito. Para os positivistas que apenas enxergam tal finalidade à ciência jurídica, as interpretações que se tem dado às normas têm sido extremamente engessantes à necessidade básica do evoluir. Dessa forma, “essa pecha de conservadorismo que se imputa ao Direito encerra larga margem de verdade, não há negar. Todavia, a culpa não é exatamente dele, mas, sem falar em outros fatores, de certos princípios hermenêuticos ou de algumas posturas interpretativas, que se hão feito teimosamente impermeáveis a oxigenações capazes de levar os ordenamentos jurídicos a um processo constante de atualização, viabilizada na abordagem mais livre dos sentidos que as normas jurídicas possam conter” .


Contra essa inércia infrutífera e paralisante também se levanta o luminar da cultura sergipana CARLOS BRITTO: “Dedico esta monografia àquela que é minha musa, minha mulher e meu amor: Rita. Decidida militante da verdadeira modernidade, que é a construção de um Brasil que se caracterize pela inclusão social. Não pela exclusão da maioria do povo, sob a falsa e tenebrosa idéia neoliberal de que tal exclusão é algo tão determinista quanto a lei da gravidade e os demais imperativos naturais” .

Conclui-se, então, que na atividade de busca do sentido de uma norma de objeto aberto como a norma constitucional (jurídico-político), que reflete o conjunto de valores de uma dada sociedade, num determinado momento de seu processo histórico, preponderante é o papel do intérprete, enquanto inserido nesse contexto histórico. Logo, “a prevalência, já o vimos, é do sujeito cognoscente. Portanto, do intérprete. A linguagem do legislador, como voz do passado que é, não terá a pretensão de impor-se, por cima de tudo, ao intérprete. A voz do legislador sucumbiu, desaparecida, ao ser significativo da norma tal qual ela se põe, no ato da interpretação, ao espírito do intérprete, na sensibilidade da situação” .

E não se venha negar força normativa ao preâmbulo, posto que, exterioriza valores que fundamentam, inclusive, as normas que a ele se seguem. Portanto, “o preâmbulo dimana do órgão constituinte, tal como as disposições ou preceitos; é aprovado nas mesmas condições e o acto de aprovação possui a mesma estrutura e o mesmo sentido jurídico. Nem deixaria de ser estranho que, estando depositado num mesmo documento e inserido numa mesma unidade, fosse subtraído ao seu influxo ou fosse considerado despiciendo para a sua compreensão. Tudo quanto resulte do exercício do poder constituinte – seja preâmbulo, sejam preceitos constitucionais – e conste da Constituição em sentido instrumental, tudo é Constituição em sentido formal” .

Entretanto, não poderá prevalecer contra texto expresso da Constituição Federal, e tampouco poderá ser paradigma comparativo para declaração de inconstitucionalidade, porém, por traçar as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição, será uma de suas linhas mestras interpretativas.”

"A violação do texto formal da Constituição (corpo permanente e corpo transitório - ADCT) não compreende o seu preâmbulo, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, pot ser destituído de força normativa (ADI 2.076-AC, rel. Min. Carlos Velloso, 15.08.2002 - noticiado no Informativo STF 277)."



FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 9.
BRITTO, Carlos Ayres. O perfil constitucional da licitação. Curitiba: Znt, 1997. Dedicatória.
FALCÃO, op. cit. p. 80.
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional - Tomo II, p. 236-237.
MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Direito Constitucional. V. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 282.

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