terça-feira, 6 de julho de 2010

Estado de Direito e Estado Democrático

"O Estado, na tradicional obra de Jellinek, necessita de três elementos fundamentais: poder/soberania (fundamento da Constituição da RFB - art. 1º, I, da CF/88), população e território. O Estado, portanto, é a forma histórica de organização jurídica limitado a um determinado território e com população definida e dotado de soberania, que em termos gerais e no sentido moderno, configura-se em um poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional.

São várias as teorias que justificam sua existência, explicando-o pela legitimidade da criação do mais forte (teoria do poder de Hobbes), dos laços jurídico-sociológicos (Pacto social de Rousseau e Kant), da vontade divina (Santo Agostinho), ou ainda, da necessidade moral (Platão, Aristóteles, e mais recentemente, Hegel).

O constitucionalismo escrito surge com o Estado, também com a função de racionalização e humanização, trazendo consigo a necessidade da proclamação de declarações de direitos.

Surgem as novas declarações de Direitos, com a Declaração de Direitos da Virgínia, de 16 de junho de 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, e a Constituição dos Estados Unidos, de 17 de setembro de 1787, com suas dez primeiras emendas aprovadas em 25 de setembro de 1789 e ratificadas em 15 de dezembro de 1791.

O Estado de Direito é consagrado com o constitucionalismo liberal do século XIX, se destacando a Constituição de Cádis, de 19 de março de 1812, a 1ª Constituição Portuguesa, de 23 de setembro de 1822, a 1ª Constituição Brasileira, de 25 de março de 1824 e a Constituição Belga, de 7 de fevereiro de 1831.

A necessidade de racionalização e humanização faz com que os textos escritos exijam que todo o âmbito estatal esteja presidido por normas jurídicas, que o poder estatal e a atividade por ele desenvolvida se ajustem ao que é determinado pela previsões legais, ou seja, a submissão de todos ao Estado de Direito, como salientado por Maurice Hariou.

A Declaração de Direitos da Constituição Francesa de 4 de novembro de 1848, dando seqüência a essa série de documentos escritos caracterizadores do constitucionalismo moderno, foi um texto percursor do Século XX, pois previa em seu texto, que a República Francesa tinha por princípios a liberdade, a igualdade e a fraternidade, tendo por base a família, o trabalho, a propriedade e a ordem pública e estabelecendo competir à República a proteção do cidadão, inclusive no tocante a seu trabalho.

Igualmente, no século XIX, o manifesto comunista de Karl Marx passou a embasar teoricamente o movimento dos trabalhadores, e, juntamente, com os reflexos do cartismo na Inglaterra e à Comuna de 1871, na França, passam a minar as até então sólidas bases do Estado Liberal.

A partir da Constituição de Weimar (1919), que serviu de modelo para inúmeras outras constituições do primeiro pós-guerra, e apesar de ser tecnicamente uma constituição consagradora de uma democracia liberal – houve a crescente constitucionalização do Estado Social de Direito, com a consagração em seu texto dos direitos sociais e a previsão de aplicação e realização por parte das instituições encarregadas dessa missão. A constitucionalização do Estado Social consubstanciou-se na importante intenção de converter em direito positivo várias aspirações sociais, elevadas à categoria de princípios constitucionais protegidos pelas garantias do Estado de Direito.

Verifica-se a inclusão de conteúdos predominantemente programáticos nos textos constitucionais, complementando o constitucionalismo nascido com o Estado Liberal de Direito com normas relativas aos direitos sociais e econômicos, passando a existir expressamente normas programáticas político-sociais, além do tradicional estatuto político, contendo os princípios e normas sobre a ordenação social, os fundamentos das relações entre pessoas e grupos e as formas de participação da comunidade, inclusive no processo produtivo.

Essa evolução foi acompanhada pela consagração de novas formas de exercício da democracia representativa, em especial, com a tendência de universalização do voto e consoante legitimação dos detentores do Poder, fazendo surgir a idéia de Estado Democrático (art. 1º, Parágrafo único, da CF/88).

Dessa forma, são duas as “grandes qualidades” do Estado Constitucional: Estado de direito e Estado democrático.

O Estado de Direito caracteriza-se por apresentar as seguintes premissas: (1) primazia da lei; (2) sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e que se concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade; (3) observância obrigatória da legalidade pela administração pública; (4) separação dos poderes como garantia da liberdade ou controle dos possíveis abusos; (5) reconhecimento da personalidade jurídica do Estado, que mantém relações jurídicas com os cidadãos; (6) reconhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem constitucional; (7) em alguns casos, a existência de controle de constitucionalidade das leis como garantia ante o despotismo do Legislativo.

Nos Estados Unidos da América, a consagração do Estado de Direito deu-se com a aplicação prática da ampla revisão judicial, no célebre caso Marbury v. Madson (1803), quando a Corte Suprema, conduzida pelo Juiz-Presidente Marshal, proclamou a superioridade das normas constitucionais sobre todo o restante do ordenamento jurídico, inclusive sobre os atos do Poder Legislativo.

Por outro lado, e de maneira complementar, a defesa de um Estado Democrático pretende, precipuamente, afastar a tendência humana ao autoritarismo e à concentração de poder.

O Estado Democrático de Direito, caracterizador do Estado Constitucional, significa que o Estado se rege por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, (art. 60, § 4º, II, da CF/88), bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais, (Título II da CF/88) é proclamado, por exemplo, no caput do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil, que adotou, igualmente, em seu parágrafo único, o denominado princípio democrático, para mais adiante, em seu art. 14, proclamar (...)

Assim, o princípio democrático exprime fundamentalmente a exigência da integral participação de todos e de cada uma das pessoas na vida política do país, a fim da garantir o respeito à soberania popular.

O Estado Constitucional, portanto, é mais do que o Estado de Direito, é também o Estado Democrático, introduzido no constitucionalismo como garantia de legitimação e limitação do poder.”


ALEXANDRE DE MORAES

Nenhum comentário:

Postar um comentário