I - Conceito
Controlar a constitucionalidade significa verificar a compatibilidade de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, através da verificação de seus requisitos materiais, quando o conteúdo da lei confronta com o texto constitucional, e formais, por inobservância das normas constitucionais sobre o processo legislativo (arts. 59 a 69 da CF/88), que se subdivide em:
1) inconstitucionalidade formal orgânica ou subjetiva - hipótese em que o órgão é incompetente para elaborar a lei ou ato normativo. Ex.: lei ordinária, decorrente de projeto de lei apresentado por Deputado Federal, que aprova majoração dos vencimentos do funcionalismo público federal padece de vício formal subjetivo, no tocante à iniciativa, pois a competência é privativa do Presidente da República para apresentar a matéria perante o Congresso Nacional, nos termos do art. 61, § 1º, II, a, da CF/88: "§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;" (Grifei)
2) inconstitucionalidade formal propriamente dita - na ocorrência de vício no processo de criação da lei, que além da fase de iniciativa, compreende as fases constitutiva e complementar. Ex.: projeto de lei complementar aprovado por maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com ofensa ao disposto no art. 69 da CF/88: "Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta."
OBSERVAÇÃO 1: sempre que possível, no escopo de garantia da compatibilidade das leis e dos atos normativos com as normas constitucionais, deverá ser utilizada a técnica da interpretação conforme a Constituição:
a) com redução do texto, como fez o STF na ADI 1127, quando liminarmente suspendeu a eficácia da expressão "ou desacato" contida no § 2º do art. 7º do Estatuto da OAB, Lei 8.906/94, de forma a conceder à imunidade material dos advogados uma interpretação conforme o art. 133 da CF/88: " (...) Art. 7º, §§ 2º e 3º - suspensão da eficácia da expressão "ou desacato" e interpretação de conformidade a não abranger a hipótese de crime de desacato à autoridade judiciária." "Art. 7º São direitos do advogado: § 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.";
b) sem redução do texto, no intuito de conferir à norma impugnada uma determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade;
c) sem redução do texto, para excluir da norma impugnada uma interpretação que lhe acarretaria a inconstitucionalidade, como fez o STF no julgamento da ADPF 132 e ADI 4227, para afastar qualquer interpretação do art. 1.723 do Código Civil (...) : "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família." (...) que exclua a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
II - Espécies
1 - Controle Preventivo - ocorre antes de a lei ou ato normativo ingressar no ordenamento jurídico. Pode ser exercido:
a) pelas Comissões de Constituição e Justiça - existentes em todas as casas legislativas, com a função principal de analisar a constitucionalidade dos projetos de lei;
b) pelo Chefe do Poder Executivo, através do denominado veto jurídico, nos termos do art. 66, § 1º, CF/88: "§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto."; (Grifei)
c) pelo Poder Judiciário, na hipótese em que o parlamentar impetra Mandado de Segurança para obstar o prosseguimento de um processo legislativo inconstitucional, consoante a jurisprudência do STF: “CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO: CONTROLE JUDICIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. I. - O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa do parlamentar, apenas. II. - Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case), RTJ 99/1031; MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello, RDA 191/200; MS 21.303-AgR/DF, Ministro Octavio Gallotti, RTJ 139/783; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, “DJ” de 12.09.2003." (Grifei)
OBSERVAÇÃO 1: o Chefe do Poder Executivo também pode vetar projeto de lei contrário ao interesse público, conforme destacado acima, através do denominado veto político.
2 - Controle Repressivo - realizado, em regra pelo Poder Judiciário, após a edição da lei ou do ato normativo. Exceções em que o controle repressivo é realizado pelo Poder Legislativo:
a) rejeição de Medida Provisória pelo Congresso Nacional, nos termos do § 5º do art. 62 da CF/88: "Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais."; (Grifei)
b) suspensão de Lei Delegada que exorbite dos limites de sua delegação pelo Congresso Nacional, nos termos do inciso V do art. 49 da CF/88: "Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;"; (Grifei)
c) suspensão de Decretos que exorbitem de sua função regulamentar, prevista no art. 84, IV, da CF/88: "Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;"
OBSERVAÇÃO 1: o sistema de controle de constitucionalidade repressivo realizado pelo Poder Judiciário no Brasil qualifica-se como misto, pois combina o controle difuso, aquele em que qualquer juiz pode declarar uma lei inconstitucional, desde que haja um caso concreto e que a inconstitucionalidade seja matéria incidental, daí também ser denominado de "incidenter tantum", "via de exceção ou de defesa", que teve origem nos EUA, a partir da construão teórica realizada pela Suprema Corte Norte-Americana, apesar de ter sido concebido inicialmente pelo Juiz John Marshall no julgamento do caso Marbury x Madison, em 1.803; e o controle concentrado, de origem européia.
OBSERVAÇÃO 2: os tribunais somente podem declarar uma lei ou um ato normativo inconstitucional pela maioria absoluta de seus membros ou dos membros do seu órgão especial. É a denominada cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da CF/88: "Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público."
OBSERVAÇÃO 3: o órgão fracionário do tribunal não pode deixar de aplicar a lei, ainda que não a declare expressamente inconstitucional, de forma que se reconhecer a lei como constitucional, prossegue o julgamento, mas se entendê-la inconstitucional, lavra o acórdão e remete a questão ao Pleno ou ao Órgão Especial, nos termos do art. 949 do Código de Processo Civil, e da Súmla Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal:
"Art. 949. Se a arguição for: I - rejeitada, prosseguirá o julgamento; II - acolhida, a questão será submetida ao plenário do tribunal ou ao seu órgão especial, onde houver." (Grifei)
"VIOLA A CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ARTIGO 97) A DECISÃO DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL QUE, EMBORA NÃO DECLARE EXPRESSAMENTE A INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO, AFASTA SUA INCIDÊNCIA, NO TODO OU EM PARTE."
OBSERVAÇÃO 4: há duas hipóteses em que não se faz necessária a remessa ao Pleno ou ao Órgão Especial do tribunal: a) quando o Pleno ou o Órgão Especial já se manifestou e b) na existência de manifestação prévia do Pleno do STF sobre a questão nos termos do Parágrafo único do art. 949 do CPC: "Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão."
OBSERVAÇÃO 5: os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo no controle difuso são "ex tunc" para as partes, em regra, e no processo em que houve a referida declaração, ou seja, desfaz-se, desde a sua origem o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, vez que são nulos os atos inconstitucionais e, portanto, destituídos de qualquer eficácia jurídica, alcançando, inclusive, os atos pretéritos praticados fundados na lei ou no ato normativo declarados inconstitucionais. Excepcionalmente, entretanto, pode ser conferida limitação temporal de efeitos no controle difuso, desde que razões de ordem pública ou social exijam, com base nos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, conforme a jurisprudência do STF: "CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO: PROVIMENTO DERIVADO: INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. I. - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos 1987 a 1992 , o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, "DJ" de 25.6.1999. II. - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - RE conhecido, mas não provido." (RE 442683/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13-12-2005.) (Grifei)
OBSERVAÇÃO 6: segundo o inciso X do art. 52 da CF/88, declarada uma lei inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal deve o processo ser remetido ao Senado que, se quiser, posto que se trata de ato discricionário do Poder Legislativo, consoante orienta a jurisprudência do STF, suspenderá a execução da lei declarada inconstitucional:
"MANDADO DE SEGURANÇA REFERENTE A PROCESSO LEGISLATIVO DE EMENDA CONSTITUCIONAL, COM SUSPENSÃO DO ATO QUE A PROMULGOU. INVIABILIDADE DO 'WRIT', POR OCORRER AFRONTA AO DISPOSTO NO INC. VII, DO ART. 42, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA, QUE ESTABELECE A COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO SENADO FEDERAL PARA SUSPENDER A EXECUÇÃO, NO TODO OU EM PARTE, DE LEI OU DECRETO, DECLARADOS INCONSTITUCIONAIS POR DECISÃO DEFINITIVA DO S.T.F.. INCIDENCIA DA SÚMULA 266. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARANA. PROVIMENTO DO RECURSO DO ESTADO, CASSANDO-SE O MANDADO DE SEGURANÇA." (RE 75854, DJACI FALCAO). (Grifei)
Houve uma mutação constitucional, que consiste na alteração da interpretação do texto constitucional, sem que haja mudança formal do dispositivo: "Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;". Eis, portanto, o mecanismo de ampliação dos efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade pelo STF, de modo a dotar a declaração de inconstitucionalidade no controle difuso de efeitos "erga omnes", porém "ex nunc", a partir da publicação da citada resolução do Senado. É a denominada teoria da transcendência dos motivos determinantes.
CONTROLE CONCENTRADO
- Sinônimos: controle abstrato, centralizado, principal, em tese, reservado ou objetivo.
- Dá-se por via de ação.
- é um processo objetivo (ADI 1.254 AgR/RJ):
a) preocupa-se mais com a defesa da ordem constitucional;
b) não se aplicam todas as normas processuais comuns;
c) algumas regras processuais se aplicam (v.g., condições da ação).
“(...) O caráter necessariamente estatal do ato suscetível de impugnação em ação direta de inconstitucionalidade exclui a possibilidade de intervenção formal de mera entidade privada no pólo passivo da relação processual. Precedente. O CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO CONSTITUI PROCESSO DE NATUREZA OBJETIVA - A importância de qualificar o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo - vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional - encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já enfatizou a objetividade desse instrumento de proteção "in abstracto" da ordem constitucional. Precedentes. Admitido o perfil objetivo que tipifica a fiscalização abstrata de constitucionalidade, torna-se essencial concluir que, em regra, não se deve reconhecer, como pauta usual de comportamento hermenêutico, a possibilidade de aplicação sistemática, em caráter supletivo, das normas concernentes aos processos de índole subjetiva, especialmente daquelas regras meramente legais que disciplinam a intervenção de terceiros na relação processual. Precedentes. NÃO SE DISCUTEM SITUAÇÕES INDIVIDUAIS NO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - Não se discutem situações individuais no âmbito do controle abstrato de normas, precisamente em face do caráter objetivo de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. O círculo de sujeitos processuais legitimados a intervir na ação direta de inconstitucionalidade revela-se extremamente limitado, pois nela só podem atuar aqueles agentes ou instituições referidos no art. 103 da Constituição, além dos órgãos de que emanaram os atos normativos questionados. - A tutela jurisdicional de situações individuais - uma vez suscitada controvérsia de índole constitucional - há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de legítimo interesse (CPC, art. 3º). (...)” (Tribunal Pleno - Rel. Min. Celso de Mello, v.u., j. 14/08/1996) (Grifei)
I - 5 Ações:
a) ADI Genérica;
b) ADI interventiva;
c) ADI por omissão;
d) Ação Declaratória de Constitucionalidade;
e) Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
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