terça-feira, 27 de março de 2012

Defeitos dos Negócios Jurídicos

I - ESTADO DE PERIGO – é uma aplicação do estado de necessidade ao Direito Civil. Ocorre quando uma pessoa premida pela necessidade de salvar-se ou ameaçada em sua vida em sua saúde assume prestação excessivamente onerosa.


Ex: sujeito que tem filho sequestrado. Pai pede empréstimos a juros altíssimos/extorsivos. Qualquer pai, angustiado diante da necessidade de salvar seu filho, aceita o negócio que pode ser invalidado.


Ex: Exigência de caução nos hospitais para ingressar com atendimento de emergência. É o exemplo perfeito da teoria do estado de perigo. A vontade de pessoa não é livre, de forma que, assim é fácil contratar.


A Agência Nacional de Saúde baixou portaria para aquelas pessoas que, ao serem atendidas em emergência, têm de prestar caução, orientando que se dirijam ao Ministério Público para invalidar o contrato ou sustar o cheque.


Encontra-se disciplinado no art. 156 do Código Civil:


“Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.


Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.”



II – LESÃO - está intimamente ligada ao abuso do poder econômico. Trata-se do prejuízo resultante da desproporção entre a prestação de um negócio, em face do abuso da necessidade ou inexperiência de uma das partes.

São requisitos da lesão: a) objetivo: desproporção; b) subjetivo: abuso da necessidade ou inexperiência de uma das partes.


A primeira lei de natureza civil a cuidar da lesão foi o CDC (art. 6°, V):


“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:


V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;”


O negócio jurídico na lesão nasce desequilibrado. A lesão encontra terreno muito fértil nos contratos de adesão.


Art. 157 do Código Civil – Lesão – não há necessidade de provar o dolo da parte beneficiária. A lesão é objetiva!!! A conseqüência da lesão é a anulação do negócio jurídico.


“Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.


§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.


§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”


Ao prever a lesão, o Código Civil afinou-se com o princípio maior da socialização do negócio jurídico.



III - ERRO – é uma representação equivocada da realidade, que leva o declarante a celebrar um negócio que lhe é prejudicial. Erro é uma opinião errada sobre alguma coisa. Erro é vício de vontade psicológico!!!


Ignorância ≠ Erro (doutrinariamente). Em doutrina, a ignorância é um conceito negativo que traduz a idéia de desconhecimento. Para o legislador, não há diferença.


O erro é causa de anulação do negócio jurídico.


O erro deve ter duas características: a) essencial ou substancial – ataca a essência do ato cometido; b) perdoável ou escusável – como a lei civil não tutela o engano, o engodo, o equívoco, o erro tem de ser algo que qualquer um poderia cometer.


O erro possui a seguinte classificação, segundo Ruggiero (art. 139/CC):


"Art. 139. O erro é substancial quando:


I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;


II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.


· incide sobre o negócio (erro sobre a natureza jurídica)


· incide sobre o objeto (erro que ataca as características do objeto)


· incide sobre a pessoa, sobre a identidade do outro declarante (a aplicação mais importante da Teoria do Erro é no D. de Família, pois causa a anulação do casamento - arts. 1556 e 1557/CC)


“Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.


Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:


I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado;


II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal;


III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência;


IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.”


· erro de direito – esta quarta modalidade foi consagrada no novo Código Civil e consiste na interpretação equivocada do alcance e incidência de determinada norma jurídica em que o agente deve estar de boa-fé. Ex.: erro sobre uma norma de concurso – art. 139, III, CC. Clóvis Beviláqua era contra a inclusão dessa modalidade no CC/1916, mas Eduardo Espínola, Carvalho Santos, Caio Mário eram a favor.


“Art. 139. O erro é substancial quando:


III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.”


O novo Código Civil admite a Teoria do Erro de direito – art. 139/CC.


Qual a diferença entre erro e vício redibitório? O erro é um vício da vontade, de dimensão subjetiva, e que resulta na anulação do negócio jurídico; o vício redibitório, por sua vez, tem dimensão objetiva e consiste no defeito oculto que prejudica a utilidade ou o valor econômico da coisa.



IV - DOLO – Segundo Clóvis Beviláqua, o dolo é um artifício astucioso que prejudica uma das partes. O dolo é um erro provocado.


O dolo principal é o que ataca a causa, a raiz do negócio, resultando na sua anulação. O dolo acidental não ataca a causa do negócio, ataca aspectos secundários do negócio, não gerando anulação. Gera apenas obrigação de pagar perdas e danos. ex.: José vende máquina de lavar a João, dizendo que faz entrega a domicílio e, no entanto, não o faz. Art. 145 e 146/CC.

Depende da análise probatória dizer se o dolo é principal ou acidental.


“Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.


Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.”


Dolus malus é defeito do negócio jurídico; Dolus bonus é na generalidade dos casos uma técnica de publicidade. É admitido.


Existe uma fronteira muito tênue entre o dolus bonus e a publicidade enganosa. Quando o anunciante ou fornecedor anuncia características inexistentes ou deturpa suas características, ocorre publicidade enganosa.


Como a lei trata o dolo de terceiro? art. 148 do Código Civil. T (corretor) mente a respeito do gado para ter uma comissão maior; A (vendedor de gados) e B (fazendeiro); Se A sabia da mentira de T, o negócio não é mantido – statu quo ante; Se A não sabia, o negócio jurídico permanece. Perdas e danos de T.


“Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.”


O que é dolo negativo? É aquele que resulta do silêncio intencional de uma das partes. É o dolo por omissão, por silêncio. Há violação ao direito de informação, princípio da boa-fé nos negócios jurídicos – art. 147/CC.


“Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.”



V - COAÇÃO – traduz uma violência psicológica ou ameaça séria, fundada, dirigida a uma das partes do negócio jurídico, fazendo com que ela se prejudique. Não é coação física, que implica o campo da existência. É coação moral, é a vis compulsiva. É um mal dirigido a pessoa, a seus bens ou a sua família. Pode ser dirigido a seu namorado, analisando-se as circunstâncias – art. 151, parágrafo único, CC.


“Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens.


Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.”


A coação física se reflete no campo da existência.


Não pode ser utilizada a figura do homem médio pelo juiz, porque a coação deve ser analisada concretamente, em cada situação particular.


Não se pode confundir coação com temor reverencial (ex.: autoridade policial, pai, sogro) e nem com ameaça do exercício regular do direito (ex.: pagamento de aluguel, porque o locador ameaçou ajuizar ação na Justiça).


Pontes de Miranda diz que o temor reverencial por si só não anula o negócio jurídico, mas pode vir junto com uma coação – ex.: pai que diz que cortará relações se não fizer algo.


Coação exercida por terceiro – arts. 154 e 155/CC.


“Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos.


Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto.”


Ex.: Irmão de A ameaça B para efetuar negócio com A; se A sabia, ou deveria saber, o negócio jurídico é anulado e A responde solidariamente com seu irmão; Se A não sabia, o negócio jurídico subsiste, porém o irmão de A responde perante B por perdas e danos.



VI – SIMULAÇÃO - ocorre quando as partes celebram negócio jurídico que tem aparência normal, mas que, na verdade, não pretende atingir o efeito que deveria produzir. É vício social. A simulação pode ser:


· Relativa – as partes criam negócio para encobrir outro negócio, cujo efeito é proibido por lei. É conhecido também por dissimulação. A simulação relativa pode ser: a) Subjetiva: por interposta pessoa. Ex.: João, pessoa casada, simula venda de imóvel para Fred e, este, por sua vez, “vende” para a amante de João.


· Absoluta – as partes criam aparente negócio jurídico destinado a não gerar efeito algum.


A simulação é tratada como causa de nulidade absoluta, de acordo com o novo CC (art. 167). O juiz pode, de ofício, a partir do CC/02, reconhecer a simulação.


“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.


§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:


I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;


II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;


III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.


§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.”


O que é reserva mental ou reticência?
Reserva mental se configura quando o agente emite declaração de vontade, resguardando o íntimo propósito de não realizar o negócio ou de atingir fim diverso do pactuado. Art. 110, CC (não há correspondência no CC/1916).


“Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento.”


Exemplo: autor de livro que anuncia que as vendas de seus livros terão como parte beneficiária menores carentes; Ex2: Estrangeiro que casa com outra pessoa para apenas obter legalização no país (nacionalidade).


Na reserva mental, o agente emite uma declaração de vontade, resguardando o íntimo propósito de não cumprir o negócio ou de atingir um fim diverso do que declarou. Exteriorizada a reserva poderá surgir o vicio da simulação, uma vez que as partes se mancomunam para atingir um fim ilícito. Essa também é a posição do professor Caio Mário.


Entretanto, o Ministro Moreira Alves, elaborador da Parte Geral do CC/02, entende que se a reserva mental for exteriorizada, o negócio é inexistente.


A doutrina majoritária não concorda com essa posição. A reserva mental quando explicitada prejudica o plano da validade e não da existência.



VII - FRAUDE CONTRA CREDORES - visa tutelar o crédito. Consiste na prática de um ato negocial, que diminui o patrimônio de um devedor insolvente, prejudicando credor pré-existente.


Dois requisitos compõem a fraude contra credores: 1) consilium fraudis (má-fé); 2) eventus domni (dano ou prejuízo).


São hipóteses legais de fraude contra credores:


a) negócios jurídicos gratuitos e remissão (perdão) de dívidas (art. 158/CC). Aqui, a fraude é presumida. Ex.: José que coloca todo seu patrimônio em nome da esposa, filhos; perdão fraudulento.


“Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.


§ 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.


§ 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.”


b) negócios jurídicos onerosos, havendo: 1) insolvência notória; ou 2) insolvência conhecida pela outra parte (art. 159/CC).


“Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.”


c) na antecipação de pagamento (o devedor desrespeita a ordem cronológica de pagamento dos créditos) – art. 162 do Código Civil.


“Art. 162. O credor quirografário, que receber do devedor insolvente o pagamento da dívida ainda não vencida, ficará obrigado a repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu.”


d) na outorga fraudulenta de garantia – art. 163/CC.


“Art. 163. Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor.”


A fraude contra credores tem de ser provada judicialmente, por meio da Ação Pauliana.


Atenção!!! A Ação Pauliana tem prazo decadencial de 4 anos e quem tem legitimidade ativa é o credor pré-existente quirografário (sem garantia) ou não (mesmo tendo garantia, esta pode ser insuficiente).


A legitimidade passiva para a ação pauliana é do devedor insolvente e da pessoa com quem celebrou o negócio jurídico. O terceiro só pode integrar o pólo passivo se estiver de má-fé. (Atenção – fala-se em terceiro, quando o bem já circulou!!!) – art. 161/CC.


“Art. 161. A ação, nos casos dos arts. 158 e 159, poderá ser intentada contra o devedor insolvente, a pessoa que com ele celebrou a estipulação considerada fraudulenta, ou terceiros adquirentes que hajam procedido de má-fé.”


Natureza jurídica da sentença da Ação Pauliana. Existem duas correntes. A primeira, tradicional, adotada pelo CC (art. 165), entende que a sentença tem natureza anulatória, sendo, portanto, desconstitutiva. Uma segunda corrente (Yussef Cahali) entende que a sentença não é desconstitutiva, mas simplesmente declaratória da ineficácia jurídica em face do credor prejudicado.


“Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores.”


Súmula 195/STJ – “EM EMBARGOS DE TERCEIRO NÃO SE ANULA ATO JURIDICO, POR FRAUDE CONTRA CREDORES.”

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