A elaboração de um Código Civil era ansiada pelo Brasil, desde o período colonial, quando aqui vigoravam as Ordenações do Reino: Manoelinas, Afonsinas e, por último, as Filipinas. Com a Independência, ocorrida em 1.822, a legislação portuguesa continuou a ser aplicada, entretanto, com a ressalva de que vigoraria até que se elaborasse o Código Civil.
A Constituição outorgada de 1.824 referiu-se à organização de um Código Civil "baseado na justiça e na equidade". Entretanto, o "Esboço do Código Civil" elaborado por Teixeira de Freitas, em 1.858, restou criticado pela comissão revisora e não foi acolhido, tendo influenciado, entretanto, o Código Civil argentino.
Após a Proclamação da República, o projeto de Código Civil elaborado por Clóvis Bevilaqua restou revisto, e encaminhado ao Presidente da República, que o remeteu ao Congresso Nacional, em 1.900, após a recomendação de aproveitamento do projeto apresentado por Coelho Rodrigues, de inquestionável merecimento, apesar de não ter obtido a simpatia do Poder Legislativo.
Algumas alterações foram efetuadas na Câmara dos Deputados, determinadas por uma Comissão especialmente nomeada para examiná-lo, e posteriormente ao longo parecer confeccionado por Rui Barbosa, restou aprovado em janeiro de 1.916, e entrou em vigor em 1º de janeiro de 1.917, tendo sido saudado com louvor por renomados juristas ao redor do mundo que enalteceram a sua clareza e precisão científica.
A complexidade e o dinamismo das relações sociais provocaram a eclosão de microssistemas jurídicos, resultantes da edição de leis especiais de elevado alcance social dentre as quais merecem ser citadas: a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), a Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73), que criaram verdadeiro arcabouço normativo para setores inteiros dantes disciplinados no Código Civil, de modo a desempenhar, muitas vezes, papel subsidiário, como no caso do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91).
Ademais, a denominada "constitucionalização do Direito Civil", expressão que representa o fato de importantes institutos de direito privado como a propriedade, a família e o contrato apresentarem as suas vigas mestras assentadas na Constituição Federal, também estaria a contribuir para essa fragmentação do Direito Civil.
Entretanto, os Códigos constituem-se em importantes instrumentos de unificação do Direito, de forma a consolidar a unidade política da nação, por representarem a estrutura fundamental do ordenamento jurídico de um país, além de eficiente meio de unificação dos usos e costumes da população. Consoante defende Carlos Roberto Gonçalves, "a codificação tem o grande mérito de organizar e sistematizar cientificamente o direito, possibilitando maior estabilidade nas relações jurídicas."
Outrossim, a existência dos aludidos universos legislativos setoriais não dispensa o Código Civil. A convivência se viabiliza com o deslocamento do ponto de referência do sistema para a Constituição Federal, que define "princípios e valores bastante específicos no que concerne às relações de Direito Civil, particularmente quando trata da propriedade, dos direitos da personalidade, da política nacional das relações de consumo, da atividade econômica privada, da empresa e da família.", conforme lição de Gustavo Tepedino.
Historicamente, portanto, a codificação prevaleceu, desde o Código de Napoleão, na França, em 1.804, que até hoje permanece a regular a vida jurídica de um povo altamente civilizado, tendo servido de modelo a diversos países na elaboração de seu direito positivo. Posteriormente, o Código Civil alemão também serviu de base para o Código Civil brasileiro de 1.916.
O aparecimento do denominado "Direito Civil Constitucional" não inibiu o aparecimento de diversos novos códigos civis pelo mundo, nem sequer os estudos de reforma dos códigos tradicionais, como a reforma do Código Napoleão, e a edição de inúmeros códigos modernos em todas as partes do mundo, sem falar nas tentativas de instituição do Código Civil europeu.
Elogiado pela clareza e precisão dos conceitos, o Código Civil de 1.916 refletia as concepções predominantes no final do século XIX e início do século XX, em grande parte ultrapassadas, baseadas no individualismo, especialmente ao tratar do direito de propriedade e da liberdade de contratar, por refletir a realidade típica de uma sociedade colonial, que traduzia uma visão de mundo condicionada pela circunstância histórica, física e étnica em que se revelava.
Outrossim, a evolução social, o progresso cultural e o desenvolvimento científico pelos quais passou a sociedade brasileira durante o século passado provocaram transformações que exigiram do Direito uma contínua adaptação, mediante a elaboração de leis especiais, que acarretaram modificações importantes no Direito Civil, especialmente no Direito de Família, afetado pela Lei 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada), pela Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e pelas leis 8.971/94 e 9.278/96, que reconheceram direitos aos companheiros e conviventes.
Diversos dispositivos e capítulos do Código Civil de 1.916 restaram revogados pela Lei de Registros Públicos, pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo Código de Águas, pelo Código de Minas, bem como, e especialmente, pela Constituição Federal de 1.988, que trouxe relevantes inovações ao Direito de Família, especialmente no tocante à filiação, bem como ao Direito das Coisas, ao reconhecer a função social da propriedade, sem falar na restrição da liberdade de contratar em prol do interesse público.
II - A estrutura do Código Civil de 2002
Manteve a estrutura do Código Civil de 1.916, de forma a seguir o modelo germânico preconizado por Savigny, de modo a colocar as matérias em ordem metódica, divididas em uma Parte Geral, que trata das pessoas, dos bens e dos fatos jurídicos, e uma Parte Especial, num total de 2.046 artigos.
Com a unificação do Direito das Obrigações e a inclusão do Direito de Empresa, a Parte Especial restou dividida em cinco livros, com os seguintes títulos, nesta ordem: Direito das Obrigações, Direito de Empresa, Direito das Coisas, Direito de Família e Direito das Sucessões.
III - O campo de incidência do Código Civil
Levando-se em conta que o objeto do Direito Civil é a tutela da personalidade humana, de modo a disciplinar a personalidade jurídica, a família, o patrimônio e sua transmissão, o Código Civil trata de todas essas matérias, mas não com exclusividade, posto que subordina-se hierarquicamente às normas constitucionais, que traçam os principios básicos norteadores do Direito Privado:
1 - O da sociabilidade, em oposição ao individualismo do Código Civil de 1.916, que reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem desnaturação, entretanto, do valor fundamental da pessoa humana, a revisar os deveres dos cinco principais personagens do Direito Privado tradicional: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador, de forma a, por exemplo, modificar o "pátrio poder" de outrora, para o "poder familiar", exercido em conjunto por ambos os cônjuges, em respeito ao casal e à prole; bem como instituir um novo conceito de posse: "posse-trabalho ou posse pro labore", atualizado conforme os fins sociais da propriedade, de modo a reduzir o prazo para a usucapião, se os possuidores tiverem estabelecido a sua morada, ou realizado investimentos de interesse social e econômico;
2 - O da eticidade, que se funda no valor da pessoa humana, como fonte de todos os demais valores, que prioriza a equidade, a boa-fé, a justa causa e demais critérios éticos, denominados doutrinariamente de "cláusulas gerais" ou "conceitos jurídicos indeterminados", que conferem maior poder ao magistrado para encontrar a solução mais justa, como por exemplo, a que se funda no princípio do equilíbrio econômico dos contratos, como fundamento ético de todo o direito obrigacional, de forma a possibiliar a resolução de contrato em virtude do advento de situações imprevisíveis, que inesperadamente venham a alterar a situação jurídica dos contratantes, de modo a tornar a posição de um deles excessivamente onerosa;
3 - O da operabilidade, que evita o complicado, destinado a afastar as complexidades, de forma a, por exemplo, fornecer critério seguro para distinguir a prescrição da decadência; e a consequente concretude, que evita a legislação abstrata, e preconiza a legislação do indivíduo enquanto ocupante de determinada posição jurídica, como marido, como esposa, e filho, enquanto subordinado ao poder familiar.
IV - Direito Civil e a Constituição de 1988
Como visto, ao tutelar diversos institutos nitidamente civilistas como a família, a propriedade, o contrato, dentre outros, o legislador constituinte redimensionou a norma privada, pois tanto o Direito Público quanto o Privado devem obediência aos princípios fundamentais constitucionais: da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da solidariedade social (art. 3º), da igualdade substancial (arts. 3º e 5º), além da erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais, de forma a promover o bem de todos (art. 3º, III e IV), todos da Constituição Federal de 1.988, que se posicionam no sentido de garantir a prevalência do bem-estar da pessoa humana, enquanto valor fundante e estruturante.
Assim, o denominado Direito Civil-Constitucional fundamenta-se em uma visão unitária do sistema, posto que devem ser interpretados em conjunto, de modo a redefinir as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais supramencionados, pois, como ensina Paulo Lôbo, "deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição conforme o Código, como ocorria com frequência e ainda ocorre."
BIBLIOGRAFIA
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. V. 1. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 35-45.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 2.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 13.
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