terça-feira, 12 de julho de 2011

Pluralismo Jurídico

I – Introdução

Em virtude de o Estado não se desincumbir de sua tarefa de promover socialmente os mais carentes, de forma a garantir-lhes a sua dignidade enquanto seres humanos, nos termos do art. 1º, III, c/c o art. 3º, III e IV, e 5º da Constituição Federal/88, ao não desenvolver as políticas públicas destinadas a esse mister, conforme previsto no art. 6º c/c o art. 7º, IV, 144, 196, 205 do texto constitucional vigente, com ofensa ao princípio da eficiência, inserido no caput do art. 37 da Carta Política como princípio constitucional da Administração Pública pela Emenda 19/98, observa-se a necessidade de os próprios prejudicados pela omissão estatal promoverem o controle social no intuito de regular os conflitos de interesse surgidos nessas comunidades.

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:



III - a dignidade da pessoa humana;



Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:



III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;



IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.



Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:



(...)



Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.



Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:



IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;



Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:



(...)



Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.



Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.



Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

Lamentavelmente, a única manifestação estatal nas favelas do Rio de Janeiro era a violência policial sofrida pelos moradores, injustamente tratados indistintamente como criminosos, conforme BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, em seu consistente trabalho de pesquisa, cujo resultado pode ser constatado em "Notas sobre a História Jurídico-Social de Pasárgada", texto constante da compilação exitosa "Sociologia e Direito" de Cláudio Souto e Joaquim Falcão, publicada pela Editora Pioneira Thomson. 2. ed. São Paulo: 2002, p. 87-95.





II - Resposta estatal



Sob o pálio do reconhecimento da realidade de sua ingerência, que resultou no poder paralelo dos traficantes de drogas nas favelas do Rio de Janeiro, o poder público começa a voltar a sua atenção para as comunidades favelizadas, de forma a, por incrível que pareça, restaurar a normalidade institucional, dantes comprometida pelos interesses comerciais das organizações criminosas, através das Unidades de Polícia Pacificadora.



Apesar da existência de violência cometida contra os moradores dessas áreas durante as operações, denunciados pelos meios de comunicação de massa, fruto de uma herança cultural histórica que gera um prejuízo imenso ao respeito aos seus direitos humanos, observa-se a tentativa inicial de o Estado reincluí-los no arco de sua proteção jurídica, consoante os recentes direitos reais previstos nos incisos XI e XII do art. 1.225 do Código Civil, acrescentados pela Lei nº 11.481/07, para possibilitar a fruição de direitos em áreas favelizadas, carentes de políticas públicas de habitação, mas de propriedade estatal:

"1.225. São direitos reais:

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia;

XII - a concessão de direito real de uso.”

Nesse contexto, também o instituto jurídico da legitimação da posse encontra-se regulado no art. 59 da Lei nº 11.977/09 (Lei do Programa Minha Casa Minha Vida), igualmente destinado a regularizar a ocupação do solo nas áreas habitadas pela população mais carente, com a redação dada pela Lei nº 12.424/2011, que incluiu o § 2º no referido dispositivo:



"Art. 59. A legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia.
§ 1o A legitimação de posse será concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que:
I - não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural;
II - não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente.
III - (revogado).
§ 2o A legitimação de posse também será concedida ao coproprietário da gleba, titular de cotas ou frações ideais, devidamente cadastrado pelo poder público, desde que exerça seu direito de propriedade em um lote individualizado e identificado no parcelamento registrado."

III - A contribuição do Poder Judiciário

O Poder Judiciário, antes mesmo da edição desses diplomas legislativos, de forma ainda hoje tímida, procurava decidir as questões jurídicas submetidas à sua apreciação, com o escopo de cumprir a função social da propriedade, prevista constitucionalmente como princípio da ordem econômica no art. 170, III, da Constituição Federal, e especificamente no tocante à função social da propriedade urbana, disciplinada no art. 182 da Constituição Federal/88:

"Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.”

A título de exemplo ilustrativo desses julgados, confira-se o REsp 75659/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 2005, que manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de frustrar a pretensão do direito de propriedade de terreno ocupado por moradores da favela Pullman, que ocuparam a área, inicialmente destinada a loteamento não implantado, de forma a fundamentar a perda da propriedade imóvel face o não cumprimento de sua função social por décadas, em face da nova realidade social e urbanística resultante de sua omissão:



"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRENOS DE LOTEAMENTO SITUADOS EM ÁREA FAVELIZADA. PERECIMENTODO DIREITO DE PROPRIEDADE. ABANDONO. CC, ARTS. 524, 589, 77 E 78. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ.
I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da mesma lei substantiva.
II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula n. 7-STJ.
III. Recurso especial não conhecido."



(REsp 75659/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 29/08/2005, p. 344)

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