"Um ano atrás, o governo federal pôs em andamento uma operação para localizar os
chamados miseráveis invisíveis do Brasil - aquelas famílias que, embora
extremamente pobres, não estão sob o abrigo de programas sociais e de
transferência de renda, como o Bolsa Família. Na época, baseado em dados do
IBGE, o Ministério do Desenvolvimento Social estabeleceu como meta encontrar e
cadastrar 800 mil famílias até 2013. Na semana passada, porém, chegou à mesa da
ministra Tereza Campello, em Brasília, um número bem acima do esperado: só no
primeiro ano de busca foram localizadas 700 mil famílias em situação de extrema
pobreza e invisíveis.
Considerando apenas o chefe da família, isso corresponde à
população de João Pessoa (PB). Se for levada em conta toda a família, com a
média de quatro pessoas, é uma Salvador inteira que estava fora dos
programas.
O resultado da operação, conhecida como busca ativa, também
surpreende pelas características dessa população: 40% das famílias invisíveis
estão em cidades com mais de 100 mil habitantes. Com o desdobramento e a análise
das estatísticas, é provável que se constate que a maioria dos miseráveis
invisíveis não estão nos grotões das regiões Norte e Nordeste, como quase sempre
se imagina, mas na periferia dos centros urbanos.
'Estamos falando de famílias extremamente pobres que até agora
não faziam parte do cadastro único do governo federal e por isso não eram vistas
na sua integridade, de acordo com suas necessidades e carências', observa a
ministra Tereza Campelo. 'Podiam ter filhos na escola, mas não tinham acesso ao
básico dos programas sociais, como o Bolsa Família, a tarifa social de energia
elétrica e outras ações.'
Para chegar a essas pessoas o ministério partiu do princípio de
que, por algum motivo, elas não conseguiam chegar aos serviços de assistência
social das prefeituras e pedir a inscrição no cadastro único. 'Era preciso sair
dos escritórios. Mobilizamos prefeituras, agentes de saúde, empresas de
distribuição de energia elétrica', conta Tereza. 'As prefeituras estão sendo
remuneradas por esse trabalho.'
Acidentado. Em Franco da Rocha, na região metropolitana de São
Paulo, a assistente social Marisa Lima foi uma dessas agentes mobilizadas para
caçar os invisíveis. Em janeiro deste ano ela estava trabalhando na Unidade
Básica de Saúde Municipal do Centro, na Avenida dos Coqueiros, quando apareceu
por lá Raimundo Marques Ferreira, pintor de paredes, de 52 anos.
Buscava remédios e assistência médica, rotina que segue desde
2007 quando sofreu um acidente de trabalho. Caiu num fosso de elevador e teve os
movimentos motores do lado esquerdo do corpo comprometidos. Como não era
registrado e a empresa fechou as portas após o acidente, ficou sem nenhum tipo
de cobertura. Os laudos médicos, que guarda presos com um elástico, indicam que
também sofre com depressão e problemas neurológicos.
Separado, Ferreira mora com quatro filhos num cômodo de pouco
mais de 30 metros quadrados, no fundo de um quintal, na Vila Zazu, bairro pobre
de Franco da Rocha. É uma casa limpa, mas úmida e escura, erguida rente a um
barranco ameaçador. Na época das chuvas, Ferreira sempre é visitado pela Defesa
Civil, que insiste para que abandone o lugar. 'Sair para onde?', indaga. 'Aqui
eu não pago aluguel.'
Não sabia como fazer. No centro de saúde, abordado pela
assistente social, o pintor contou que 'já tinha ouvido falar' do Bolsa Família,
mas não sabia se tinha direito, nem como se inscrever. Hoje recebe R$ 102 por
mês, que usa sobretudo para pagar as contas de água e luz e comprar alguma
comida. Dois de seus filhos, com 16 e 13 anos, foram inscritos no Ação Jovem, do
governo estadual, que garante R$ 80 por mês, desde que frequentem a escola.
Agora a assistência social orienta Ferreira para que obtenha
uma aposentadoria por invalidez, no valor de um salário mínimo, no INSS. Se
conseguir, ele quer ampliar a casa onde mora e investir em cursos de informática
para os filhos menores. Ele tem o olhar triste e fala em voz baixa, com modos
tão humildes que dá a impressão de assustar-se com o mundo à sua volta."
Fonte: ROLDÃO ARRUDA, estadao.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário